A gente pode
Morar numa casa mais ou menos
Numa rua mais ou menos
E até ter um governo mais ou menos
A gente pode
Dormir numa cama mais ou menos
Comer um feijão mais ou menos
Ter um transporte mais ou menos
E até ser obrigado a acreditar mais ou menos no futuro
A gente pode
Olhar em volta e sentir que tudo está
Mais ou menos
Tudo bem
O que a gente não pode
Mesmo, nunca, de jeito nenhum,
É amar mais ou menos,
É sonhar mais ou menos,
É ser amigo mais ou menos,
É namorar mais ou menos,
É ter fé mais ou menos,
E acreditar mais ou menos.
Senão a gente corre o risco de se tornar
Uma pessoa mais ou menos
(poema de Chico Xavier)
Hoje parei um pouco, e assim posso escrever um pouco. E voltar um pouco a esta sensação boa dos tempos em que lia poesia com calma e saboreava as emoções que as palavras provocam e ficava a contemplá-las para ir mais fundo... E voltar aos tempos de escola em que nos obrigavam a escrever isto por palavras e que eu, no fundo, adorava. Adorava racionalizar tudo o que conseguia esmiúçar num poema, mesmo que às vezes não acertasse no que os professores também achavam dele (ainda gostava de saber como podia haver critérios para corrigir interpretações de poemas, acaso os poetas os escreverem eles próprios? A magia da poesia não é mesmo essa, de poder suscitar infinitas interpretações?).
Este poema fez-me hoje parar, graças ao eneagrama, numa
estória. De tanto me dizer do que de mais oculto e profundo há em mim, até me dói a alma, e nem sei por onde começar...
Primeiro de tudo fala de equilíbrio, da procura incessante do mais ou menos que me ocupa os dias. Indecisa eternamente entre o que vou abraçar e do que vou abdicar para poder abraçar e saborear melhor o que decido fazer. Eternamente amargurada com aquilo de que abdico ou que não abdico mas devia abdicar e entretendo-me com o que abraço para me esquecer dessa amargura, acabando por não saborear o que abraço. Mas fingindo bem que saboreio. E sou feliz...
Também me confronta com a importância do dia-a-dia e como o vou vivendo mais ou menos, na esperança de haver mais tarde algo mais-mais-do-que-menos. E nunca me apercebo de que posso fazer de cada dia um dia Mais, se o souber saborear em vez de me poupar para o Dia-Mais que virá... Será que sei sequer saborear? Mas sou feliz...
Fala também de emoções e sentimentos e como estes SIM devem ser ou Mais ou Menos, levados ao máximo e sentidos ao máximo. Amar, sonhar, ser amigo, namorar, ter fé e acreditar... na minha racionalidade penso tantas vezes se os sei realmente sentir, ou melhor, se lhes sei dar espaço e importância. Não falo só de tempo na minha agenda, esse eu sei bem arranjar. Falo de espaço mesmo nas minhas células que são controladas ditatorialmente pelos meus neurónios racionais. Como é que se desligam esses para poder saborear tudo isto Mais? Além disso, sei bem que junto com um Mais vem também um Menos implícito neste campo (não é só no campo de ter de abdicar de coisas para poder ter outras). Quando se sente algo BOM (amor, sonhos perfeitos, amizade verdadeira e profunda, namoro gostoso, fé em algo transcendentemente maravilhoso) é realmente fantástico, mas traz sempre implícita a possibilidade de algo verdadeiramente MAU/sofrimento (não ser mais amado, não ser amado de volta, não conseguir atingir um sonho, esforço que não é reconhecido, a traição de um amigo, amizade que afinal não é retribuída, um grande amigo/amor que morre, um namoro que acaba ou duvida, dúvidas do sentido da vida perante injustiças e sofrimento). E será que vale a pena? Mesmo que racionalmente consiga achar que sim, que isso é que dá gosto à vida, às vezes apetece ser mais como o Ricardo Reis do Fernando Pessoa e deixar a vida passar calmamente por nós sem grandes sobressaltos. Logo, sem grandes sofrimentos. E sendo, devagarinho.... feliz.
E o pior disto tudo é que quem olha para mim vê alguém que vive a vida intensamente, tudo Mais... gosto de tudo o que faço, faço tudo o que gosto (organizo-me bem) e estou sempre a sorrir Mais, feliz. E não me interpretem mal. Eu sorrio genuinamente. E sinto-me feliz.
E não sei ser de outra forma. Pois... talvez por isso... é preciso saber ser não-sempre-Feliz, para ser Feliz, se calhar...
A verdade é que o verdadeiro dilema de tudo isto é que nunca quis ser uma pessoa mais ou menos, quis sempre ser uma pessoa Mais. No dia-a-dia tento fazer essa diferença e deixar essa marca nas pessoas. E isso de ser uma pessoa Mais ou Menos assusta-me, quero ser Mais. Mas na verdade luto todos os dias para o saber ser, mais equilibrada entre o que faço e o que devo fazer, mais equilibrada entre o que penso e o que me deixo sentir, mais equilibrada entre o que sofro e o que sou feliz, mais Mais ou Menos. Mas mais-Mais-do-que-menos... Se bem que não há Mais sem Menos. E para ser MAIS há que ser Menos às vezes e Mais ou Menos muitas vezes...
Se calhar, só queria mesmo era ser Feliz...
(e fazer os outros Felizes...)
:)